quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Trabalho: Análise Livro Didático


Um dos trabalhos propostos pelo Professor Baronas foi o seguinte:

Escolha um livro didático e analise as concepções de linguagem que o sustenta teórico-metodologicamente na eleição dos textos de apoio e na proposição dos exercícios.


Pretendo, neste trabalho, analisar o livro PROJETO ARARIBÁ — Português 9 - Ensino Fundamental, considerando suas perspectivas teóricas, bem como as concepções de linguagem que se manifestam.
Para tanto, faz-se necessário  apresentar algumas principais características acerca das concepções de linguagem.



O estudo da linguagem, conseqüentemente da língua, é visto sob diferentes concepções, tais como: expressão do pensamento, instrumento de comunicação, ação finalisticamente orientada e constituição de identidades.

A primeira concepção (expressão do pensamento) considera a linguagem como um veículo para a exteriorização do pensamento, defendendo sua logicidade como um segmento de regras. Tais estudos surgem em meio a questões filosóficas com o objetivo de compreender o homem e o mundo via linguagem.
Dessa forma, a língua é tida como um espelho “que reflete a realidade subjacente aos fenômenos do mundo físico, e que são expressos pelo homem”. 
O sujeito aparece como mero expectador, ele lê o mundo assim como este se lhe apresenta; como se todos observassem o mundo da mesma forma. É importante salientar que esta concepção fundamenta-se na Gramática Normativa/Tradicional.

Na segunda concepção (instrumento de comunicação), a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem – informações de um emissor a um receptor. Para que a comunicação obtenha eficácia, é necessário que o código (dominado pelos falantes) seja utilizado de maneira semelhante, preestabelecida, convencionada. Desse modo, o sistema lingüístico é percebido como algo exterior ao homem, um instrumento do qual este se apropria, em situações previsíveis de comunicação, não 
levando em conta, assim, as situações de uso da fala, os interlocutores, nem o contexto social.
Esta concepção está representada pelos estudos lingüísticos realizados pelo estruturalismo (a partir de Saussure) e pelo tranformacionalismo (a partir de Chomsky) 

A terceira concepção (ação finalisticamente orientada) é aquela que concebe a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada, Comunicar é um fazer crer e um fazer fazer.

A quarta concepção (constituição de identidades), por sua vez, se diferencia dos demais porque não considera a linguagem apenas como meio de se exteriorizar o pensamento ou de transmitir informações a um receptor. A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico ideológico. Vê-se que a linguagem não é transparente, pois não reflete a realidade assim como esta se lhe apresenta, se assim fosse não existiriam problemas de comunicação. A linguagem se caracteriza, nesta concepção, pela opacidade e pelo contínuo movimento.


Análise


Verifica-se que, no livro escolhido, há a predominância de exercícios estruturais/mecânicos, de repetição, de lacuna, baseados numa concepção tradicional, que se volta para as formas “corretas” da língua. Vê-se, também, em alguns exercícios, a noção de sujeito como um mero emissor e receptor de informações. 
No exercício abaixo, por exemplo, pede-se ao aluno que copie e complete determinado quadro. Observe: 



Tal exercício preocupa-se em levar o aluno a definir e classificar termos da língua. Neste caso, o aluno deve identificar a mensagem (transmitida pelo Pinguin) e posteriormente, classificar o tipo de oração que utilizou em sua resposta. 
Assim, concebe-se a linguagem como uma mera decodificação de informações, não exigindo reflexão por parte dos alunos.
Na verdade, a história em quadrinhos é um pretexto para o ensino de gramática, talvez para torná-lo, mais atrativo. 
A meu ver, trata-se de uma análise superficial e reducionista, uma vez que poderia, também, ser trabalhado os efeitos de sentido, elementos que produzem o riso, ou mesmo, levar os alunos a observarem alguns aspectos das imagens, como: cor, um elemento da paisagem, luz e sombra, etc. (operadores discursivos não-verbais), os quais favorecem a apreensão de diferentes sentidos.

Os exemplos abaixo ratificam a concepção de língua na qual o livro se fundamenta.
Propõem-se análise de orações num contexto, digamos, um pouco descontextualizado, visto que se pede a identificação e classificação de orações, separadamente. Assim, leva-se em consideração apenas elementos de ordem linguística, focando, de certa forma, na classificação desses elementos e no ensino de uma nomenclatura que consubstancia a classificação.



No exercício a seguir, pede-se para que o aluno complete as lacunas, utilizando conectivos que expressem causa/conseqüência. Embora seja utilizado o critério semântico e utilize termos da lingüística textual, ainda pode ser considerado um exercício estrutural / mecânico, pois não proporciona, de fato, uma reflexão sobre a língua em uso.
Mesmo que analisando aspectos como a coerência textual (lingüística textual), nota-se que tais propostas não ultrapassam os limites da gramática e do texto.


Os exercícios que propõem uma reflexão sobre a materialidade lingüística, observando os efeitos de sentido, e a opacidade da linguagem, constituída historicamente, são raríssimos. 
A alternativa d, no exercício abaixo, por exemplo, conduz o aluno a uma reflexão sobre os efeitos de sentido produzidos pela escolha de determinado tipo de oração.




Além disso, pode-se inferir que este livro fundamenta-se numa abordagem prescritiva da linguagem, por meio das seguintes informações:



Observando as expressões: “não admite essa regência” e “diga sempre”, verifica-se uma preocupação em ditar normas para se falar “bem”, de acordo com a Gramática Normativa, atentando para as noções de “certo” e “errado”. 
Além disso, outras regras são prescritas, inclusive no tocante a pronúncia “ideal” dos falantes, como se pode notar:


Poder-se-ia dizer que, com relação as normas lingüísticas, continuam fazendo o que se propunha há séculos pela gramática tradicional.

Na maioria das vezes, tem-se o enfoque na gramática normativa, descontextualizada e distante da realidade dos falantes, baseada, sobretudo, nas concepções de linguagem ora como expressão do pensamento, ora como instrumento de comunicação.
Tal postura de ensino é recorrente nos livros didáticos, e não exige do aluno nenhuma reflexão sobre a língua, nem oferece oportunidades para que o aluno observe/analise todos os seus sentidos e possibilidades de uso, de acordo com as condições de produção.

Grande parte dos exercícios é caracterizada por colocar de lado o uso da língua e seus sentidos, que se concretizam no discurso, em nome da “gramática pela gramática”, o que não proporciona reflexão, e muitas vezes, é destituída de sentido.

Nota-se uma política de padronização da língua, calcada em exercícios gramaticais descontextualizados e repetitivos, os quais negam a oportunidade de refletir sobre sua materialidade. Vê-se, pois, que o que se impõe no livro didático é a unidade. Busca-se tornar homogêneo o que é essencialmente heterogêneo, complexo e opaco.




Fontes:

Minhas anotações em sala de aula

Artigo: LIVRO DIDÁTICO X LÍNGUA EM USO: o silêncio do indivíduo
fechado à construção de sentido - Maria Fernanda Merlino Domenes - Uni-FACEF

Ilari, R. e Geraldi, W. Semântica. São Paulo, Ática, 1987.

Livro PROJETO ARARIBÁ — Português 9 - Ensino Fundamental

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